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2 de fevereiro de 2010

The Fairy Queen.


Que o Mário, Mário, Mário, Mário Crespo sempre foi informação, é uma verdade absoluta.

Um profissional de renome nas lides jornalistícas portuguesas, com anos de experiência e uma qualidade de comunicação acima da média como é comprovado pelo seu retorno à ribalta na SIC Notícias depois de ter saído de um modo algo estranho da RTP e ter desaparecido do mapa durante uns anos.

Esse novo estatuto deu-lhe a possibilidade de trabalhar noutras àreas da comunicação social, nomeadamente, a do cronismo na imprensa. Não querendo ensinar nada ao Mário, porque claramente ele está a anos-luz no que toca a conhecimentos, fui aluno de comunicação social e até sei algumas coisas. Uma delas é saber distinguir um artigo de opinião de um artigo jornalístico.

Quem faz crónicas ou escreve artigos de opinião, limita-se a dar a sua opinião sobre um determinado assunto baseando o seu argumento em experiência e conhecimento com o intuito de incentivar o pensamento colectivo. Um artigo jornalístico tem regras mais restritas onde se procuram dar a conhecer todos os factos de um determinado acontecimento seguindo a filosofia do Quem? O Que? Quando? Onde? Porque e Como?. Obviamente são coisas distintas dentro da àrea jornalística mas que ao longo dos últimos anos, as pessoas têm "aproximado" os dois conceitos misturando o que é do foro pessoal com o foro jornalístico. Quando digo as pessoas, não me refiro apenas aos jornalísticas que de acordo com o deontologia da profissão não devem ser "opinion-makers", mas também aos leitores, espectadores e ouvintes que deixaram de perceber o que distinguia as duas profissões. Basta ver o caso de Manuela Moura Guedes que é amada por uns e odiada por outros, seja pela sua capacidade de lutar contra o poder ou de revelar factos importantes. Uma coisa é certa, goste-se ou não, a sua qualidade profissional dá uma má imagem da profissão. Não digo que o erro está no debate se ela deverá ser "opinion-maker" ou jornalista porque nos EUA, todos os canais de televisão e jornais estão associados a partidos políticos que influenciam as suas agendas mediáticas. Está no modo como se apresentam as coisas.

Também é justo dizer que Manuela Moura Guedes tem um estilo muito próprio. Não papa grupos nem se deixa ficar. Mas Mário Crespo também não. Viu-se na entrevista com Silva Pereira. Enquanto que um tornou-se um foco mediático pelas más razões, o outro tornou-se num símbolo de independência e qualidade.
Posto isto, quando hoje olho para os jornais e vejo o drama que se desenrolou sobre um artigo de opinião escrito por Mário Crespo e que não saiu na edição do Jornal de Notícias de hoje, senti-me intriguido para perceber se realmente existia uma falta de nexo por parte de Mário Crespo ou se estávamos a falar de uma censura escancarada.

Este era o texto original:

"Terça-feira dia 26 de Janeiro. Dia de Orçamento. O Primeiro-ministro José Sócrates, o Ministro de Estado Pedro Silva Pereira, o Ministro de Assuntos Parlamentares, Jorge Lacão e um executivo de televisão encontraram-se à hora do almoço no restaurante de um hotel em Lisboa. Fui o epicentro da parte mais colérica de uma conversa claramente ouvida nas mesas em redor. Sem fazerem recato, fui publicamente referenciado como sendo mentalmente débil (“um louco”) a necessitar de (“ir para o manicómio”). Fui descrito como “um profissional impreparado”. Que injustiça. Eu, que dei aulas na Independente. A defunta alma mater de tanto saber em Portugal. Definiram-me como “um problema” que teria que ter “solução”. Houve, no restaurante, quem ficasse incomodado com a conversa e me tivesse feito chegar um registo. É fidedigno. Confirmei-o. Uma das minhas fontes para o aval da legitimidade do episódio comentou (por escrito): “(…) o PM tem qualidades e defeitos, entre os quais se inclui uma certa dificuldade para conviver com o jornalismo livre (…)”. É banal um jornalista cair no desagrado do poder. Há um grau de adversariedade que é essencial para fazer funcionar o sistema de colheita, retrato e análise da informação que circula num Estado. Sem essa dialéctica só há monólogos. Sem esse confronto só há Yes-Men cabeceando em redor de líderes do momento dizendo yes-coisas, seja qual for o absurdo que sejam chamados a validar. Sem contraditório os líderes ficam sem saber quem são, no meio das realidades construídas pelos bajuladores pagos. Isto é mau para qualquer sociedade. Em sociedades saudáveis os contraditórios são tidos em conta. Executivos saudáveis procuram-nos e distanciam-se dos executores acríticos venerandos e obrigados. Nas comunidades insalubres e nas lideranças decadentes os contraditórios são considerados ofensas, ultrajes e produtos de demência. Os críticos passam a ser “um problema” que exige “solução”. Portugal, com José Sócrates, Pedro Silva Pereira, Jorge Lacão e com o executivo de TV que os ouviu sem contraditar, tornou-se numa sociedade insalubre. Em 2010 o Primeiro-ministro já não tem tantos “problemas” nos media como tinha em 2009. O “problema” Manuela Moura Guedes desapareceu. O problema José Eduardo Moniz foi “solucionado”. O Jornal de Sexta da TVI passou a ser um jornal à sexta-feira e deixou de ser “um problema”. Foi-se o “problema” que era o Director do Público. Agora, que o “problema” Marcelo Rebelo de Sousa começou a ser resolvido na RTP, o Primeiro Ministro de Portugal, o Ministro de Estado e o Ministro dos Assuntos Parlamentares que tem a tutela da comunicação social abordam com um experiente executivo de TV, em dia de Orçamento, mais “um problema que tem que ser solucionado”. Eu. Que pervertido sentido de Estado. Que perigosa palhaçada."

Após ter lido este artigo de opinião, concluí que apesar de apreciar e muito o trabalho de Mário Crespo, o Jornal de Notícias tem toda a razão em recusar imprimir este trabalho.

As razões:

1 - São referidos factos não presenciados pelo próprio, contados através de terceiros.

2 - A palavra de qualquer pessoa pode ser posta em causa, independentemente da sua qualidade profissional, apreço pessoal, quando esta lança acusações baseadas no leve "diz-que-disse."

3 - No que toca a partilha de conhecimentos e pensamento social, a relevância é nula. O artigo refere-se ao próprio autor sem o minímo interesse para a sociedade em geral.

4 - Existindo o relato de acontecimentos específicos com pessoas concretas, deixa de ser um artigo de opinião e sim um artigo jornalístico que devia responder ao Quem? O Que? Quando? Onde? Porque e Como?, algo que não é feito, apenas insinuado.

5 - Quem são as fontes com que confirmou?

6 - Quem era o director de televisão que estava na mesa?

Surpreende-me que Mário Crespo tenha escrito este texto sem ter a conta a sua relevância jornalística, e ainda mais, sem ter a preocupação de se defender caso a coisa desse para o torto como deu. A sua reacção é ainda mais estranha, não pelo facto de se ter demitido do cargo de cronista do jornal porque isso seria mais que óbvio, mas pelo facto de que o texto que supostamente teria sido enviado apenas para o editor fosse parar ao site do Instituto Sá Carneiro, ligado ao maior partido da oposição, o PSD. Mário Crespo já veio dizer que não sabe como tal aconteceu. Eu também não, mas tenho uma opinião não fundamentada.

Este acontecimento mostra o poder que a comunicação social adquiriu em Portugal ao longo de vários anos. Lá fora, a comunicação social é considerada o 5º Poder com uma relevância estrondosa confirmada pelos casos Watergate e dos relatórios do 11 de Setembro, que pode obrigar à queda ou à ascenção de um governo. Para mais aulas sobre este assunto contactar Hugo Chávez. No nosso país, tem-se verificado um aspecto interessante. A comunicação social tem-se conseguido aproximar do seu público, não pela qualidade profissional mas pela ligação afectiva com as suas caras conhecidas que se tornam não em veículos de informação, mas em critícos, "opinion-makers", avaliadores, comentadores. Perante um governo tão criticado como o de Sócrates, as parecenças entre o público e os meios de comunicação são cada vez maiores. Complementam-se mutuamente.

Sempre vi o jornalismo como o contra-poder. Mas esse contra-poder era baseado em factos e não em opiniões. Se assim fosse, todos nós nos chamaríamos de Carlos Castro e escrevíamos no Jornal de Notícias.

PS: Deixo apenas parte da linha editorial do Público sobre artigos de opinião.

"Não são publicados artigos de opinião onde sejam detectados erros factuais de substância. Este facto descredibiliza não só a matéria de facto referida no texto, mas também os pontos de vista aí enunciados. "

0 Ah e tal...: